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9 de janeiro de 2010

Dieta - Conto - Blog e-Urbanidade

Enquanto curto os Estados Unidos, segue uma crônica escrita em 2006.


O relógio despertou lembrando que já era segunda-feira. O fim-de-semana havia acabado, aquela preguiça natural dos dias que não se faz nada tinha que ir embora. Era hora de por o pé no chão frio, caminhar até banheiro, fazer aquelas necessidades iniciais e entrar no chuveiro.
E assim começou a semana, tudo iria repetir: o caminho para o trabalho, rever os colegas da repartição, ouvir e rir de alguma piada nova de algum amigo, ligar-desligar o computador, pagar contas, olhar as pessoas na rua, dar um cochilo após o almoço, ver o noticiário da televisão e reclamar do governo.
Quando a primeira gota de água caiu sobre a cabeça, lembrou-se que aquela segunda-feira trazia uma novidade, era dia de começar a nova dieta. Já havia feito as compras necessárias, leite desnatado, não-sei-o-que light ou diet, o cardápio já estava pendurado na porta da geladeira com a lista de possíveis alimentos de troca. Por exemplo, pode-se trocar uma maçã por meio pedaço de pêra ou duas laranjas...
Tudo preparado, como se fora uma trincheira. Fora tirado dos armários todos os restos de biscoitos doces, o doce de leite que sobrava foi doado para a faxineira, o último amendoim adocicado foi comido na sessão de cinema assistida na noite anterior, as cervejas foram consumidas com os amigos no sábado e as barras de chocolate foram traçadas como sobremesa do jantar que aconteceu no sábado, com direito a muitas calorias, afinal de contas, começaria hoje a dieta. Era a despedida.
Enquanto passava o sabonete pelo corpo, foi fazendo planos sobre qual roupa poderia vestir daqui alguns meses, sobre aquela calça que insistia em não dar para os outros, pois acreditava que ainda poderia vesti-la. E também já imaginava os elogios pelo emagrecimento, o corpo que ia tomando jeito. Sonhava...
Percebeu que não poderia demorar tanto debaixo da água, saiu, enxugou, mas antes parou em frente ao espelho. Apertou as gordurinhas localizadas espalhada pelo corpo, na altura da barriga, nas costas, nas pernas, no rosto... Tudo acabaria em breve. Respirou mais fundo, segurou o ar e imaginou-se sem a barriguinha. E foi fazendo mais planos.
Vestiu a roupa e saiu em direção a cozinha. Olhou fixamente a dieta e começou a organizar o café-da-manhã:
Laranja... não gosto de laranja,pensou. Deixa ver o que posso trocar... Umh... Já sei vou comer meia pêra. Mas, meia? Vai estragar a outra metade. Deixa eu pensar, então vou tomar um copo de suco: meio copo. Perfeito!
Agora, é o pão... Integral, uma fatia de peito de peru... Mas assim, seco? Nem uma margarina light? Vou passar alguma coisa, deve aumentar umas vinte calorias... Já sei, vou tirar metade do peito de peru... É a lei das compensações!
Leite, café, beleza. Adoro! Pronto, delícia. Nem estou sentindo fome, estou satisfeito!
E levantou da mesa, lavou a pêra e cortou em dois pedaços, colando em vasilhas diferentes. Estava pronto o lanche do meio da manhã e da tarde.
No caminho para o trabalho sentia-se recompensado. Parecia que a calça já cabia melhor, já sentia-se alguns gramas mais magro. Será que já receberia algum elogio ao entrar no escritório?
Nada de elogios! Era aniversário do chefe e havia um delicioso café-da-manhã esperando sobre a mesa no canto da sala. Cheio de frutas, sucos, salgadinhos fritos, refrigerante, pastas, pães dos mais variados tipos, manteiga.
Parabéns pra você... puxou a secretária gordinha e animada.
Por que todo gordinho é tão animado?, pensou
Viva o seu Fernando!, gritou a secretária.
Viva, respondeu o “cordão dos puxa-saco”.
Atacar!, mandou a gordinha animada.
Será que eu como?¸começou o pânico. Mas não posso, só posso comer fruta daqui a duas horas. Puxa, o pão-de-queijo está quentinho. Adoro
E foi passando a secretária com um pratinho cheio de salgadinhos para a chefe da sala do lado que não podia vir:
É para a dona Carminha, está em reunião. Vou levar pra ela.
Puxa-saco, pensou todos.
Não vai comer não, gritou a secretária maldita depois de levar o pratinho. Não vai dizer que está de dieta?
E a pergunta parece que propagou pela sala. Todos pararam de falar e olharam fixamente para ele, tentando não ser notado.
Estou tentando, respondeu meio sem-graça.
Eu desisti disso, arrematou a maldita secretária batendo as ancas nos amigos enquanto vinha em sua direção.
Parecia que um foco de luz vinha trazendo em sua direção a arrasadora de dieta e todos comentavam sobre algum programa desse que havia feito e não deu certo. Aliás, todo mundo tem uma dessas histórias para contar.
Não teve como, pensou bem, fez alguns cálculos rápidos: diminuiria um colher de arroz no almoço. Assim, comeu um pão-de-queijo e conseguiu livrar-se de todos, inclusive da secretária.
A manhã terminou bem, comeu a metade da pêra na hora marcada e preparou-se para almoço. Deve-se lembrar que não adiantou em nada a tal fruta, a fome que era fraca, parece que ficou maior ainda. Começou a olhar discretamente para o relógio do computador, aguardando o final de tal sofrimento.
Finalmente, juntou as coisas e foi com os colegas para o restaurante da empresa. Na fila, com o prato na mão, começou a fazer estimativas... Mas a picanha que era passada na chapa cheirava maravilhosamente. Preferiu parar nas saladas: alface, tomate, beterraba, batata... Não! Nunca pode comer batata, o manual da dieta diz: se comer meia batata, tem que diminuir mais um colher de arroz.
Como já comi um pão-de-queijo, não vou comer nada de arroz!?¸concluiu. Melhor não comer batata!
Continuou servindo do tal buffet de salada. Tudo temperado com sal e uma gotas de limão, sem óleo, acompanhamento especial de salada...
Todos os colegas ficaram admirados com a força de vontade dele. Mastigava devagar, sem refrigerante ou suco, apenas um copo d´água. Terminou. Voltou para a fila e agora poderia servir-se do que interessava: uma, apenas, colher de arroz, uma concha de feijão, mais alguma verdura cozinha e nada de picanha... E como cheirava bem. Um grelhado de frango do tamanho da mão aberta, era esse o pedido!
Voltou para a mesa e comeu lentamente, devagar... Todos os amigos cortavam e deliciavam com a picanha. Ele preferiu lembrar da calça que não servia mais...
Fim do almoço! Duas horas depois, a fome voltou. Hora da outra metade da pêra.
Não adiantou nada, percebeu, desesperado. Vou tomar água!, decidiu.
Muita água, muitas idas ao banheiro, terminou o primeiro dia da dieta. Hora de mais um lanche: duas fatias de pão, queijo e presunto magro e um copo de suco. E só! Mais quarenta minutos de esteira.
Finalmente, de volta em casa. Mais um copo de suco, salada e um grelhado.
Destesto grelhado, pensava mais uma vez. Mas vou caber, finalmente, na minha calça.
Fim do dia. Barriga ronca. Fome. Melhor dormir! Amanhã será um novo dia... De dieta! Mais grelhados, saladas, frutas, sucos, nãos, copos d´água, barriga roncando...
Maldito tempo pós-moderno. Só é belo o que é magrelo! Queria ter nascido na época do barroco, concluiu, verificando se já cabia melhor na tal calça dois números menor.

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