Ele queria ser autor da novela das oito, mas elas não existem mais. Sim, foi isso que acabou de dar no Jornal Nacional. O apresentador entrou com aquele ar triste, definitivo, como se um novo tempo estivesse começando. Havia algumas chamadas ao vivo, um repórter estava no local que gravavam as novelas daquele horário e havia uma comoção geral. Até alguns fãs resistentes estavam na porta da emissora, com placas variadas, dizendo coisas do tipo: “Como viveremos sem Maria do Carmo?”; “Nunca mais ficaremos ansiosos para saber quem matou Odete Roitman!”.
O tema andou por vários dias na mídia, mas é preciso dizer que não foram muitas pessoas que estavam interessadas no assunto. Alguns disseram que era o fim do formato, outros culparam a tal TV Digital. Até o Ministro das Comunicações foi chamado a discussão, pois ele precisava subsidiar as produções que andavam cada vez menos assistidas.
Até uma campanha educativa foi proposta pelo Ministério da Educação, dizia algo do tipo: “a memória do país esta na novela das oito”. Mas ninguém viu direito, até porquê as pessoas não ficaram órfãs das histórias mirabolantes e dos personagens malucos dos novelistas.
Os amores traídos, as peripécias de personagens inusitados, os casos de família foram retirados do horário das oito e estavam dispersos em vários outros canais, com outros formatos e ninguém mais queria assistir aquela história que passava diariamente, no canal fechado, no horário definido. Agora existem várias histórias em formatos diferenciados.
E lá estava Geirton que queria ser autor de novela, mas só aceitava se fosse das oito. Ainda lembrava da família toda reunida para ver o fim trágico de algum personagem. Ou para saber dos últimos acontecimentos da paixão da mocinha que acabara de saber que o amado era pai de três filhos e estava à beira da morte.
Geirton ainda sentia que só seria feliz quando andasse pela rua e ouvisse o eco da vinheta da novela que escrevia.
- Pôxa vida, nas novelas de hoje não existem mais esta possibilidade – declarava, na mesa de um bar, tristemente, como se a vida não pudesse existir mais.
- Os tempos são outros – afirmou um amigo que escrevia uma história para a tevê a cabo. – Qual é o seu sonho? Escrever uma boa história ou apenas a novela das oito?
Geirton ficou calado. Não sabia exatamente a resposta correta. Ficou com a dúvida tradicional dos protagonistas em fim de novela, aquela do “casa-se com fulano ou beltrano?”.
Pensou alguns dias até que sentou frente ao seu computador e escreveu cinco linhas sobre dois grandes personagens Que interessante eram eles! – pensou por alguns instantes. Ainda não sabia se morreriam no final, afinal ainda estava no story line. Mas os protagonistas olharam para Geirton e sorriram.
Naquele momento ele descobriu que buscava boas histórias e isso bastava. A partir deste dia ele também não assistiu mais a novela das oito.
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