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9 de dezembro de 2009

Os Vipirisados - PRIMEIRO CAPÍTULO - Blog e-Urbanidade

OS VIPIRISADOS

CAPÍTULO 1
Os bonitos dias de trabalho devem começar com um céu azul, temperatura amena e ser véspera de feriado ou sexta-feira. Também não inclui ressaca e deve-se acordar com aquela vontade de sair cantando como Julie Andrews, em Noviça Rebelde. De braços aberto, sobre a colina. Sem as roupinhas feitas de cortina, claro!
Apesar da torcida pra que este dia fosse hoje, tudo estava ao contrário: uma segunda-feira, com uma leve ressaca e chuvosa. Parece que trombas de água desciam do céu. Nem mesmo o meu modelito básico para dias molhados estava conseguindo sobreviver a tanta água e umidade.

No final do domingo não resisti a uma passada na boate e bebi quatro doses de gim-tônica, ou seja, o bastante para me deixar alto e com dor de cabeça no dia seguinte. Enfim, com todo esse histórico, hoje era o dia perfeito para passar mais horas na cama, debaixo dos edredons quentes, juntando forças para fazer um único exercício, ir à cozinha, esquentar uma caneca de leite com café solúvel e voltar pra cama, exausto.

Eram nove horas e na agência de publicidade em que trabalho parecia ainda madrugada. Pelo clima estranho, a chuva torrencial e a falta de sol, parecia ser seis horas da manhã. Será que está havendo um eclipse solar ou estou vivendo, na realidade, um daqueles filmes americanos de catástrofe terrestre?

Margarete, a secretária da agência, sempre teve uma mania hedionda e tornava a nossa relação muito complicada. Ela ininterruptamente acordava falante, principalmente às segundas-feiras. Contava detalhadamente as peripécias do seu marido, Alandelon, e seus filhos, Cleverson, Wellington e Suelen. Ou descrevia com detalhes assustadores algum churrasco que acontecera com os vizinhos ou como fora interessante um daqueles filmes que passou na tevê aberta, no domingo à tarde. Isso quando não preferia falar de algum ator que a deixou em prantos ao assistir o quadro “Esta é sua vida” em algum programa dominical.

Nem mesmo meus sorrisos amarelos ou olhares de “vá caçar sua turma” faziam com que ela encerrasse a história ou contasse através de resumos de cinco linhas. Então, nesses momentos, busco as minhas parcas origens religiosas. Rezo para que algum santo faça com que alguma criatura humana ligue no escritório e tire aquela secretária do meu lado. Mas isso nunca funciona e, quando vejo, lá estou buscando as entidades da magia negra.

Funcionou! O telefone tocou e lá foi ela atender, terminando de contar que Suelen estava com dificuldade em Matemática e era por causa de um namorico com Maicon, um colega da sala da garota. Felizmente me livrei e estava pronto para ter meus dois minutos de silêncio e pensar como a cegonha pode me entregar para a família errada ao invés de me deixar no Palácio de Buckingham.

Sr. Afonso, um faz-tudo na empresa, veio colocando sobre as mesas as correspondências endereçadas a cada um de nós. E sobre a mesa do Sr. Clóvis Alves, dono da agência, eram colocados os melhores convites de festa da cidade. Como de costume, eu constantemente dava um jeito de entrar na sala e dar uma espiada nos eventos que marcariam a cidade nos próximos dias.

Inventei que ia deixar um recado, entrei na sala e fui conferir quem ia servir champanhe de graça nos próximos dias. Mas para minha infelicidade, achei um convite que me assustou: de papel importado, em tons pastéis, tipologia elegante e com um laço enorme, estava em minha frente o convite de noivado de uma das maiores fortunas do país. A filha da chiquérrima Tereza Cristina estava preste a se casar com um gato de uma família tão milionária quanto a dela. Acompanhei o início do romance que figurou nas principais capas de revistas de fofoca.

Eu e meus três amigos, Luciano, Ricardo e Vivian, formamos uma verdadeira quadrilha dos loucos por festa. Somos viciados em reuniões sociais, do tipo boca-livre e sem contas ao final. Vivemos atrás das festas regadas a muita champanhe, madames cheias de plásticas e gays de camisas apertadas e cabelos espetados.

Eu e Luciano somos um desses de cabelos espetados. Ricardo não é um deles, não por falta de vontade, mas a careca não permite que alcance tal objetivo. Temos uma coisa em comum, somos gays e pessoas muito importantes – very important person – (ou tentamos ser!). Vivian também é igual a nós, minha melhor amiga. Gostava de homens e de estar nas listas das festas mais badaladas da cidade. Sempre figuramos nas melhores listas delas.

Desenvolvemos tecnologia própria para ter nossos nomes inseridos em qualquer dessas reunião. Se isso não for possível, também aprendemos a conseguir convites descartados por alguém que não tem tempo ou não deseja comparecer. E tais técnicas estavam sendo colocadas à prova, quando descobri que não estávamos no rol dos convidados do noivado da filha de Tereza Cristina. Era hora de colocar em ação algum plano mirabolante.

Minha primeira ação foi ligar para Luciano que, como sempre, não me atendeu. Provavelmente estava em algum debate sobre projetos de arquitetura de algum apartamento bacana no escritório que trabalha.

Finalmente a secretária atendeu e disse que ele não voltaria tão cedo e havia deixado o celular dele sobre a mesa. Como eu já sabia, o tal arquiteto bacana, dono do escritório, proibia ligações durante a hora de trabalho. Por isso, ao sair para medições não poderia levar seu celular pessoal, só um rádio barulhento em mãos. Assim, eram achados por qualquer um da empresa, mas nunca pelos amigos.

Segui ligando para Ricardo, braço direito de um dos chefes de cozinha mais conhecido de São Paulo. Sem dúvida, Ricardo estava no restaurante, pois as segundas-feiras ele ficava responsável pelo almoço da casa.

– Chegaram apenas dois convites e a primeira dama do restaurante já pegou – contou Ricardo, enquanto entrava em um depósito para não ser ouvido por ninguém.

– Temos que providenciar os convites – lembrei a ele, enquanto já desligava e discava para Vivian.

– Vieira & Roberto Advocacia, em que posso ajudar? – atendeu Vivian.

Como alguém em sã consciência pode obrigar uma pobre secretária, amiga de três homens gays, a passar por aquele mico a cada vez que atende ao telefone? Nem no botequim da esquina as pessoas são obrigadas a fazer aquela pergunta introdutória. Nessas horas acho que esta história de carma e vidas passada têm realmente fundamento.

– Não me diga que chegaram apenas dois convites aí? – fui logo perguntando. E Vivian, sempre passada, não sabia do que se tratava e ficou meia hora para entender o drama horroroso que estávamos vivendo.

– Você está errado, chegaram quatro convites duplos. Dois para família Vieira e dois para os Robertos – contou Vivian, depois de verificar com a secretária direta dos advogados. – Mas agora você me deixou ansiosa. Vamos em todas as festas dessa cidade, não podemos ficar fora dessa. O que vão pensar de nós, que não somos vips?

– Pelo jeito fomos esquecidos mesmo, amiga. E dessa vez não terá convite de sobra, afinal ninguém quer perder essa festa.

Travamos ali uma discussão sobre estratégias e metas a serem cumpridas para conseguirmos nosso próprio convite. Vivian ficou de pensar em alguma coisa e fui tomar um café. Na cozinha estavam todos os funcionários frente à tevê olhando um ônibus e um monte de policial em volta dele. Falavam de suicídio, morte e seqüestro. Não tive força para falar com ninguém. Minha cabeça funcionava a mil por hora, tentando descobrir um jeito de entrar naquela festa.

Meu telefone voltou a tocar. Corri pra atender, poderia ser o Ricardo ou Vivian com alguma boa notícia.

– Bicha, olha que mulher sortuda! Em cadeia nacional! – ouvi a voz do outro lado enquanto eu tentava saber quem era?

– Mulher? Quem fala?

– Não está conhecendo seu bofe preferido, bicha?

Neste momento já sabia quem era. Só podia ser uma única pessoa: Luciano.

– Dá pra ser mais discreto? - disse desanimado.

– Por quê tanto desânimo, Bonequinha de luxo? Está despeitada porque você não está neste ônibus?

Ônibus? Que maldita história é essa. E o pior, detesto que alguém me chame por adjetivos femininos. E esse era o maior prazer de Luciano.

– Ônibus? – quando finalmente entendi que ele estava falando daquele veículo que era televisionado e que todos do escritório assistiam com os olhos cravados na cozinha.

– Ah, desculpe, estou preocupado com outra coisa. Isto está acontecendo onde? É lá no Oriente Médio?, provoquei.

– Que Oriente Médio, bicha? – gritou Luciano. – Estou falando da racha que está em rede nacional, aparecendo em todas as tevês do Brasil, porque o marido está com ciúmes dela. E isso está acontecendo a dois quarteirões do seu escritório, mona!

– Não acredito. Como é isso?

– Como é isso? – emendou o assunto com a minha pergunta. – É apenas um exemplo do homem que todos nós queremos na vida! Eu mesmo estou cansado de tanto homem politicamente correto, que vive respeitando meu espaço. Queria um homem assim: está com ciúme, seqüestra o ônibus e me coloca em rede nacional. Para todo mundo ver.

Só no final da noite fui entender do que Luciano falava. Tratava-se do acontecimento que tomaria todos os jornais noturnos da tevê. E andou nas manchetes de todos os jornais impressos no resto da semana. Simplesmente o marido achou que a mulher estava o traindo. Ele pegou uma arma e foi tomar satisfação. Ela gritava muito e para tirá-la do meio da rua, a levou pra dentro de um ônibus, com mais de cinquenta pessoas. Conclusão, alguém ligou do celular para polícia e em poucas horas até a SWAT brasileira (isso é uma figura de linguagem!) estava lá. A tevê foi chamada e as doze horas de negociação foram acompanhadas por todo o país, ao vivo. O homem foi preso e a mulher passou o resto da semana chorando em todos os programas e veículos sensacionalistas.

– Não, não... o que me faz sofrer é muito pior – respondi a Luciano.

– Credo, Cê – era assim que ele me chamava. Marcos César, meu nome, virava apenas isso na boca de Luciano. Era a única pessoa do mundo que poderia inventar um apelido tão horroroso. Mas foi só Caetano lançar um disco com esse nome que passei a achar interessante o codinome. E continuou:

– Estou começando a ficar preocupado. Você é sempre tão pra cima.

– Fomos cortados da festa mais badalada da cidade. Tereza Cristina não nos convidou para a festa de noivado da filha dela.

Senti que minha fala bateu como a bomba de Hiroshima nos sonhos de um gay louco por festas. O silêncio tomou conta e a nossa conversa ficou parecendo cena de filme francês. Sem nenhuma fala por longos períodos e close de quinze minutos em nossas mãos que seguravam o telefone.

– Estou arrasado! – voltou Luciano ao normal! – Eu mesmo medi o apartamento da pilantra da filha dela. Como ela ousa fazer isso comigo?

– Ela não costuma chamar medidores de apartamento para as suas festas – tentei localizá-lo no mundo, sem ter que desenvolver uma longa história sobre diferenças sociais.

– Também não devem ter convidado o funcionariozinho da agência de publicidade que toma conta das empresas da família, né? – atacou Luciano, dando uma basta a minha piadinha.

– Estamos todos cortados – preferi encerrar o assunto, antes que tudo aquilo descambasse para os ataques pessoais.

Neste momento, outra pessoa tentava ligar na agência e eu ouvia um toque na linha. Despedimos-nos e prometemos encontrar alguma forma de ingressar na lista. Afinal, somos vips e sempre conseguimos ir em todas das festas badaladas da cidade.

Imediatamente, após entender de quem se tratava, o desesperado se apossou de mim. Uma voz fria e direta comandava este show de horror:

– Aqui é do escritório da Tereza Cristina e estou ligando para confirmar a presença do senhor e senhora Clóvis Alves.

O ar ficou denso e o chão desapareceu dos meus pés. Senti-me naquelas situações definitivas dos jogos de xadrez, apesar de nunca ter jogado, mas sempre vi isso nos comentários dos jogadores. Era como ser Tom Cruise em Missão Impossível. Um movimento em falso poderia levar tudo a perder. Uma gota de suor fora da hora poderia destruir tudo.

Do outro lado da linha estava a pessoa que tinha a chave de entrada para a festa de Tereza Cristina. Se travássemos uma boa amizade e nos tornássemos grandes amigos, com certeza, a entrada desse e outros eventos estavam garantidos. Mas como fazer com que a voz dela se tornasse menos fria?

– Oi, tudo bem? Como está tudo ai? – tentei quebrar o gelo da Voz Fria.

Do outro lado a mocinha ficou sem o que dizer. Se aquilo era uma isca, do outro lado o peixe não mordeu.

– Estou tentando fazer meu trabalho – voltou a Voz Fria -, gostaria apenas de obter a resposta. Prefere que eu retorne mais tarde?

Não! Não, pensei eu. O que diria para Ricardo, Luciano e Vivian quando soubessem que estive ao telefone com a senhora Voz Fria e perdi a oportunidade de entrarmos na festa de noivado? Também era muita pretensão minha achar que conseguiria quatro convites, afinal ninguém recebeu convites a mais. Pensei em batalhar primeiro pelo meu, depois os outros batalhariam pelo seu.

– É o seguinte. A senhora Alves está um pouco chateada com a Tereza. Desculpe, mas eu estou falando de algo que nem podia. Mas parece que o convite só veio para ela e o marido. Ela disse que não comparece as festas sem as irmãs.

Imediatamente a moça gélida, do lado de lá, ficou em silêncio. Ouvi alguns dedinhos dançando nos teclados.

– Quantas irmãs são?

– Quantas? – Meu Deus, quantas irmãs ela tinha?! Uma inspiração divina, vindo dos deuses pitagóricos, me fez chutar. – Sete?

– Você está me perguntando ou respondendo?

Que desespero! Será que ela estava me testando? Será que eram mesmo sete? Tentei contá-las no dedo, mas não daria tempo.

– Mas só quatro irão a festa – virei o jogo, afinal se conseguisse meus quatro convites estaria tudo certo.

– Um momento.

Assim, passaram os trinta segundos mais longos da existência, e que comprovavam que a teoria da relatividade existe. Uma trilha sonora de espera encantava e dava mais vivacidade a cena. Quando finalmente Voz Fria voltou a falar.

– Infelizmente está havendo um engano. As oito irmãs da Senhora Melissa Alves já receberam e confirmaram a presença no noivado! Dona Tereza Cristina disse que falou, ontem mesmo, com todas elas.

A cachorra fez um milésimo de segundo de silêncio para deixar bem claro o trouxa que eu fui ao inventar toda aquela história. Era como se os convites escorregassem pelas minhas mãos. E o pior, eu não tinha mais nenhuma super idéia para apresentar para aquela vadia.

– Vou estar passando para a Sra. Alves, então. Algo mais que eu possa estar ajudando? – usei os gerúndios e o texto de telemarketing para mostrar que toda a minha ação era apenas um procedimento corriqueiro da nossa empresa. Sempre funciona!

E se ela gritasse e dissesse horrores? Eu faria como os frígidos atendentes de telemarketing: agiria como se nada, absolutamente nada, me incomodasse.

Voz Fria agradeceu e desligou. Só fiquei pensando em uma coisa: se essa filha da mãe, com voz da Patagônia, precisar de mim, algum dia, ela terá o troco.

2 comentários:

  1. Ai, ai, ai! "Vai estar dando" coceira até eu "estar lendo" a continuação! ;-)

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  2. Caro Celso, incompletamente divertido. Faça uma adaptação para teatro, serei seu cenógrafo! terá sucesso (se não me chamar como cenógrafo), rs.....

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