Livro Cada Homem é Uma Raça |
Uma das primeiras perguntas feitas pelas jornalistas na sabatina promovida pela Folha com o Fronteiras do Pensamento, a Companhia das Letras e a Livraria da Vila é se ele poderia se comparar a Guimarães Rosa, ao criar palavras novas em seus livros. Então, suspirei aliviado ao constatar que se tratava de um artifício poético do autor e, assim, me senti mais livre para mergulhar em sua proposta. E, não se comparou (achei humilde!), explicou que isso é possível porque Moçambique foi concebido a partir da reunião de vários estados e com línguas diferentes, portanto o português, a língua oficial, está em constante alteração e sendo criada e re-criada nesse processo. Assim, se sentia livre para fazer isso.
Nestes encontros o que mais procuro é compreender o processo criativo do escritor, já que me denoto como tal, porém percebi que não foram muitas as perguntas neste foco. Em certo momento, emocionei-me com sua fala ao dizer que se tornou escritor observando as conversas da sua mãe, familiares e amigos na cozinha da sua casa. Concluiu dizendo que as saias que passavam na frente do seu rosto, quando se sentava no chão, são como as histórias que se descortinam quando se dispõe às escrever. Identifiquei-me.
Outro ponto interessante do seu processo criativo é a escolha entre prosa ou poema, pois não é feito de forma consciente. Assim sendo, as histórias ou personagens nascem primeiro e, depois, ao se materializar a ideia é que a forma aparece, ou melhor, ela se impõe como a única maneira de ser externalizada. E ao responder como nascem os personagens, Mia disse que são todos o próprio autor. Ou seja, o escritor usa os outros “eus” para camuflar suas próprias ideias, pensamentos, perversões e próprias vilanias.
Também me identifiquei com o autor ao expor que o ato de escrever não é sua principal atividade. Biólogo de formação, trabalha durante o dia nessa área. Isso mostra, mais uma vez, que o ato de escrever, antes de mais nada, é feito com muita disciplina.
Algumas curiosidades foram apresentadas pelo autor como a atual construção do estado moçambicano e sua participação, por exemplo, na elaboração do hino daquele país, até porque é difícil imaginar um autor de tais canções vivo. Fato curioso é também o seu pseudomino, Mia, ao invés de Antônio: como gostava de gatos na infância, acabou recebendo o codinome na família. E perguntando se não se intrigava ao ser confundido com mulher, por causa do nome, respondeu que não, afinal as mulheres são as principais protagonistas das suas histórias e, finalmente, isso desconstrói os estigmas, ao ser homem e branco, já que muitos esperam, também, que sendo moçambicano deveria ser negro.
É muito prematuro dizer qualquer coisa a mais sobre Mia Couto. Figura carismática, preciso ler mais suas obras. Tive um bom início, já que os livros de contos são perfeitos para começar a entrar no universo literário de qualquer escritor. Então, recomendo, sim, a leitura de Cada Homem é uma Raça. Vale ao encontrar a viúva que muda a lápide do marido para não ser “rezado” pela amante ou do pescador cego que arrancou os próprios olhos para não morrer de fome no meio do mar. Personagens assim, fortes, marcantes e, muitas vezes, divertidos são os encontrados nas páginas desse livro.
Boa leitura!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário.